O ANARQUISTA

domingo, 27 de fevereiro de 2011

ORGANIZAÇÃO I E II

Errico Malatesta


A ORGANIZAÇÃO I
Agitazione de Ancone, 04/07/1897.

Há anos que muito se discute entre os anarquistas esta questão. E como freqüentemente acontece quando se discute com ardor à procura da verdade, acredita-se, em seguida, ter razão. Quando as discussões teóricas são apenas tentativas para justificar uma conduta inspirada por outros motivos, produz-se uma grande confusão de idéias e de palavras.

Lembraremos, de passagem, sobretudo para nos livrarmos delas, as simples questões de frases empregadas, que, às vezes, atingiram o cúmulo do ridículo, como por exemplo: “Não queremos a organização, mas a harmonização”, “Opomo-nos à associação, mas a admitimos”, “Não queremos secretário ou caixa, porque é um sinal de autoritarismo, mas encarregamos um camarada para se ocupar do correio e outro do dinheiro”; passemos a discussão séria.

Se não pudermos concordar, tratemos pelo menos de nos compreender. Antes de mais nada, distingamos, visto que a questão é tripla: a organização em geral, como princípio e condição da vida social, hoje, e na sociedade futura; a organização das forças populares, e, em particular, a das massas operárias, para resistir ao governo e ao capitalismo.

A necessidade de organização na vida social – direi que organização e sociedade são quase sinônimos – é coisa tão evidente que mal se pode acreditar que pudesse ter sido negada.

Para nos darmos conta disso, é preciso lembrar que ela é a função específica, característica do movimento anarquista, e como homens e partidos estão sujeitos a se deixarem absorver pela questão que os interessa mais diretamente, esquecendo tudo o que a ela se relaciona, dando mais importância à forma que ao conteúdo e, enfim, vendo as coisas somente de um lado, não distinguindo mais a justa noção da realidade.

O movimento anarquista começou como uma reação contra o autoritarismo dominante na sociedade, assim como todos os partidos e organizações operárias, e se acentuou com os adventos de todas as revoltas contra as tendências autoritárias e centralistas.

Era natural, em conseqüência, que inúmeros anarquistas estivessem como que hipnotizados por esta luta contra a autoridade e que eles combatem, para resistir à influência da educação autoritária, tanto a autoridade quanto a organização, da qual ela é a alma.

Na verdade, esta fixação chegou ao ponto de fazer sustentar coisas realmente incríveis. Combateu todo o tipo de cooperação e de acordo porque a associação é a antítese da anarquia. Afirma-se que sem acordos, sem obrigações recíprocas, cada um fazendo o que lhe passar pela cabeça, sem mesmo se informar sobre o que fazem os outros, tudo estaria espontaneamente em harmonia: que a anarquia significa que cada um deve bastar-se a si mesmo e fazer tudo que tem vontade, sem troca e sem trabalho em associação. Assim, as ferrovias poderiam funcionar muito bem sem organização, como acontecia na Inglaterra (!). O correio não seria necessário: alguém de Paris, que quisesse escrever uma carta a Petersburgo... Podia ele próprio levá-la (!!) etc.

Dir-se-á que são besteiras, que não vale a pena discuti-las. Sim, mas estas besteiras foram ditas, propagadas: foram autêntica das idéias anarquistas. Servem sempre como armas de combate aos adversários, burgueses ou não, que querem conseguir uma fácil vitória sobre nós. E, também, estas “besteiras” não são sem valor, visto que são a conseqüência lógica de certas premissas e que podem servir como prova experimental da verdade, ou pelo menos dessas premissas.

Alguns indivíduos, de espírito limitado, mas providos de espírito lógico poderoso, quando aceitam premissas, extraem delas todas as conseqüências até que, por fim, e se a lógica assim o quer, chegam, sem se desconcertar, aos maiores absurdos, à negação dos fatos mais evidentes. Mas há outros indivíduos mais cultos e de espírito mais amplo que encontram sempre um meio de chegar a conclusões mais ou menos razoáveis, mesmo ao preço da violentação da lógica. Para eles, os erros teóricos têm pouca ou nenhuma influência na conduta prática. Mas, em suma, desde que não se haja renunciado a certos erros fundamentais, estamos sempre ameaçados por silogismos exagerados, e voltamos sempre ao começo.

O erro fundamental dos anarquistas adversários da organização é crer que não há possibilidade de organização sem autoridade. E uma vez admitida esta hipótese, preferem renunciar a toda organização, ao invés de aceitar o mínimo de autoridade.

Agora que a organização, quer dizer, a associação com um objetivo determinado e com as formas e os meios necessários para atingir este objetivo, é necessária à vida social, é uma evidência para nós. O homem isolado não pode sequer viver como um animal: ele é impotente salvo em regiões tropicais, e quando a população é muito dispersa) e não pode obter sua alimentação; ele é incapaz, sem exceção, de ter uma vida superior àquela dos animais. Conseqüentemente, é obrigado a se unir a outros homens, como a evolução anterior das espécies o mostra, e deve suportar a vontade dos outros (escravidão), impor sua vontade aos outros (autoritarismo), ou viver com os outros em fraternal acordo para o maior bem de todos (associação). Ninguém pode escapar dessa necessidade. Os antiorganizadores mais imoderados suportam não apenas a organização geral da sociedade em que vivem, mas também em seus atos, em sua revolta contra a organização, eles se unem, dividem a tarefa, organizam-se com aqueles que compartilham suas idéias, utilizando os meios que a sociedade coloca à sua disposição; com a condição de que estes sejam fatos reais e não vagas aspirações platônicas.

Anarquia significa sociedade organizada sem autoridade, compreendendo-se autoridade como a faculdade de impor sua vontade. Todavia, também significa o fato inevitável e benéfico que aquele que compreende melhor e sabe fazer uma coisa, consegue fazer aceitar mais facilmente sua opinião. Ele serve de guia, quanto a esta coisa, aos menos capazes que ele.

Segundo nossa opinião, a autoridade não é necessária à organização social, mais ainda, longe de ajudá-la, vive como parasita, incomoda a evolução e favorece uma dada classe que explora e oprime as outras. Enquanto há harmonia de interesses em uma coletividade, enquanto ninguém pode frustrar outras pessoas, não há sinal de autoridade. Ela aparece com a luta intestina, a divisão em vencedores e vencidos, os mais fortes confirmando a sua vitória.

Temos esta opinião e é por isso que somos anarquistas, caso contrário, afirmando que não pode existir organização sem autoridade, seremos autoritários. Mas ainda preferimos a autoridade que incomoda e desola a vida, à desorganização que a torna impossível.

De resto, o que seremos nos interessa muito pouco. Se é verdade que o maquinista e o chefe de serviço devem forçosamente ter autoridade, assim como os camaradas que fazem para todos um trabalho determinado, as pessoas sempre preferirão suportar sua autoridade a viajar a pé. Se o correio fosse apenas esta autoridade, todo homem são de espírito a aceitaria para não ter de levar, ele próprio, suas cartas. Se se recusa isto, a anarquia permanecerá o sonho de alguns e nunca se realizará.


A ORGANIZAÇÃO II
Agitazione de Ancone, 11/07/1897.

Estando admitida a existência de uma coletividade organizada sem autoridade, isto é, sem coerção, caso contrário, a anarquia não teria sentido, falemos da organização do partido anarquista.

Mesmo nesses casos, a organização nos parece útil e necessária. Se o partido, ou seja, o conjunto dos indivíduos que têm um objetivo em comum e se esforçam para alcançá-lo, é natural que se entendam, unam suas forças, compartilhem o trabalho e tomem todas as medidas adequadas para desempenhar esta tarefa. Permanecer isolado, agindo ou querendo agir cada um por sua conta, sem se entender com os outros, sem preparar-se, sem enfeixar as fracas forças dos isolados, significa condenar-se à fraqueza, desperdiçar sua energia em pequenos atos ineficazes, perder rapidamente a fé no objetivo e cair na completa inação.

Mas isto parece de tal forma evidente que, ao invés de fazer sua demonstração, responderemos aos argumentos dos adversários da organização.

Antes de mais nada, há uma objeção, por assim dizer, formal. “Mas de que partido nos falais? Dizem-nos, nem sequer somos um, não temos um programa”. Este paradoxo significa que as idéias progridem, evoluem continuamente, e que eles não podem aceitar um programa fixo, talvez válido hoje, mas que estará com certeza ultrapassado amanhã.

Seria perfeitamente justo se se tratasse de estudantes que procuram a verdade, sem se preocuparem com as aplicações práticas. Um matemático, um químico, um psicólogo, um sociólogo podem dizer que não há outro programa senão o de procurar a verdade: eles querem conhecer, mas sem fazer alguma coisa. Mas a anarquia e o socialismo não são ciências: são proposições, projetos que os anarquistas e os socialistas querem por em prática e que, conseqüentemente, precisam ser formulados como programas determinados. A ciência e a arte das construções progridem a cada dia. Mas um engenheiro, que quer construir ou mesmo demolir, deve fazer seu plano, reunir seus meios de ação e agir como se a ciência e a arte tivessem parado no ponto em que as encontrou no início de seu trabalho. Pode acontecer, felizmente, que ele possa utilizar novas aquisições feitas durante seu trabalho sem renunciar à parte essencial de seu plano. Pode acontecer do mesmo modo que as novas descobertas e os novos meios industriais sejam tais que ele se veja na obrigação de abandonar tudo e recomeçar do zero. Mas ao recomeçar, precisará fazer novo plano, com base no conhecimento e na experiência; não poderá conceber e por-se a executar uma construção amorfa, com materiais não produzidos, a pretexto que amanhã a ciência poderia sugerir melhores formas e a indústria fornecer materiais de melhor composição.

Entendemos por partido anarquista o conjunto daqueles que querem contribuir para realizar a anarquia, e que, por conseqüência, precisam fixar um objetivo a alcançar e um caminho a percorrer. Deixamos de bom grado às suas elucubrações transcendentais os amadores da verdade absoluta e de progresso contínuo, que, jamais colocando suas idéias à prova, acabam por nada fazer ou descobrir.

A outra objeção é que a organização cria chefes, uma autoridade. Se isto é verdade, se é verdade que os anarquistas são incapazes de se reunirem e de entrarem em acordo entre si sem se submeter a um autoridade, isto quer dizer que ainda são muito pouco anarquistas. Antes de pensar em estabelecer a anarquia no mundo, devem pensar em se tornar capazes de viver como anarquistas. O remédio não está na organização, mas na consciência perfectível dos membros.

Evidentemente, se em uma organização, deixa-se a alguns todo o trabalho e todas as responsabilidades, se nos submetemos ao que fazem alguns indivíduos, sem por a mão na massa e procurar fazer melhor, esses “alguns” acabarão, mesmo que não queiram, substituindo a vontade da coletividade pela sua. Se em uma organização todos os membros não se interessam em pensar, em querer compreender, em pedir explicações sobre o que não compreendem, em exercer sobre tudo e sobre todos as suas faculdades críticas, deixando a alguns a responsabilidade de pensar por todos, esses “alguns” serão os chefes, as cabeças pensantes e dirigentes.

Todavia, repitamos, o remédio não está na ausência de organização. Ao contrário, nas pequenas como nas grandes sociedades, excetuando a força brutal, a qual não nos diz respeito no caso em questão, a origem e a justificativa da autoridade residem na desorganização social. Quando uma coletividade tem uma necessidade e seus membros não estão espontaneamente organizados para satisfazê-la, surge alguém, uma autoridade que satisfaz esta necessidade servindo-se das forças de todos e dirigindo-as à sua maneira. Se as ruas são pouco seguras e o povo não sabe se defender, surge uma polícia que, por uns poucos serviços que presta, faz com que a sustentem e a paguem, impõe-se a tirania. Se há necessidade de um produto e a coletividade não sabe se entender com os produtores longínquos para que eles enviem esse produto em troca por produtos da região, vem de fora o negociante que se aproveita da necessidade que possuem uns de vender e outros de comprar e impõe os preços que quer a produtores e consumidores.

Como vedes, tudo vem sempre de nós: quanto menos estávamos organizados, mais nos encontrávamos sob a dependência de certos indivíduos. E é normal que tivesse sido assim.

Precisamos estar relacionados com os camaradas das outras localidades, receber e dar notícias, mas não podemos todos nos correspondermos com todos os camaradas. Se estamos organizados, encarregamos alguns camaradas de manter a correspondência por nossa conta; trocamo-os se eles não nos satisfazem, e podemos estar informados sem depender da boa vontade de alguns para obter uma informação. Se, ao contrário, estamos desorganizados, haverá alguém que terá os meios e a vontade de corresponder; ele concentrará em suas mãos todos os contatos, comunicará as notícias como bem quiser, a quem quiser. E se tiver atividade e inteligência suficientes, conseguirá, sem nosso conhecimento, dar ao movimento a direção que quiser, sem que nos reste a nós, a massa do partido, nenhum meio de controle, sem que ninguém tenha o direito de se queixar, visto que este indivíduo age por sua conta, sem mandato de ninguém e sem ter que prestar contas a ninguém de sua conduta. Precisamos de um jornal. Se estamos organizados, podemos reunir os meios para fundá-lo e fazê-lo viver, encarregar alguns camaradas de redigi-lo e controlar sua direção. Os redatores do jornal lhe darão, sem dúvida, de modo mais ou menos claro, a marca de sua personalidade, mas serão sempre pessoas que teremos escolhido e que poderemos substituir. Se, ao contrário, estamos desorganizados, alguém que tenha suficiente espírito de empreendimento fará o jornal por sua própria conta: encontrará entre nós os correspondentes, os distribuidores, os assinantes, e fará com que sirvamos seus desígnios, sem que saibamos ou queiramos. E nós, como muitas vezes aconteceu, aceitaremos ou apoiaremos este jornal, mesmo que não nos agrade, mesmo que tenhamos a opinião de que é nocivo à Causa, porque seremos incapazes de fazer um que melhor represente nossas idéias.

Desta forma, a organização, longe de criar a autoridade, é o único remédio contra ela e o único meio para que cada um de nós se habitue a tomar parte ativa e consciente no trabalho coletivo, e deixe de ser instrumento passivo nas mãos dos chefes.

Se não fizer nada e houver inação, então, certamente, não haverá nem chefe, nem rebanho; nem comandante, nem comandados, mas, neste caso, a propaganda, o partido, e até mesmo a discussão sobre a organização, cessarão, o que, esperamos, não é o ideal de ninguém...

Contudo, uma organização, diz-se supõe a obrigação de coordenar sua própria ação e a dos outros, portanto, violar a liberdade, suprimir a iniciativa. Parece-nos que o que realmente suprime a liberdade e torna impossível a iniciativa é o isolamento que produz a impotência. A liberdade não é direito abstrato, mas a possibilidade de fazer algo. Isto é verdade para nós como para a sociedade em geral. É na cooperação dos outros que o homem encontra o meio de exercer sua atividade, seu poder de iniciativa.

Evidentemente, organização significa coordenação de forças com um objetivo comum, e obrigação de não promover ações contrárias a este objetivo. Mas quando se trata de organização voluntária, quando aqueles que dela fazem parte têm de fato o mesmo objetivo e são partidários dos mesmos meios, a obrigação recíproca que a todos engaja obtém êxito em proveito de todos. Se alguém renuncia a uma de suas idéias pessoais por consideração à união, isto significa que acha mais vantajoso renunciar a uma idéia, que, por sinal, não poderia realizar sozinho, do que se privar da cooperação dos outros no que acredita ser de maior importância.

Se, em seguida, um indivíduo vê que ninguém, nas organizações existentes, aceita suas idéias e seus métodos naquilo que têm de essencial, e que em nenhuma organização pode desenvolver sua personalidade como deseja, então estará certo em permanecer de fora. Mas, se não quiser permanecer inativo e impotente, deverá procurar outros indivíduos que pensem como ele, e tornar-se iniciador de uma nova organização.

Uma outra objeção, a última que abordaremos, é que, estando organizados, estamos mais expostos à repressão governamental.

Parece-nos, ao contrário, que quanto mais unidos estamos, mais eficazmente nos podemos defender. Na realidade, cada vez que a repressão nos surpreendeu enquanto estávamos desorganizados, colocou-nos em debandada total e aniquilou nosso trabalho precedente. Quando estávamos organizados, ela nos fez mais bem do que mal. Assim também no que concerne ao interesse pessoal dos indivíduos: por exemplo, nas últimas repressões, os isolados foram tanto e talvez mais gravemente atingidos do que os organizados. É o caso, organizados ou não, dos indivíduos que fazem propaganda individual. Para aqueles que nada fazem e ocultam suas convicções, o perigo é certamente mínimo, mas a utilidade que oferecem à Causa também o é.

O único resultado, do ponto de vista da repressão, que se obtém por estar desorganizado é autorizar o governo a nos recusar o direito de associação e tornar possível monstruosos processos por associação delituosa. O governo não agiria dessa forma em relação às pessoas que afirmam de modo altivo e público, o direito e o fato de estarem associados e, se ousasse fazê-lo, isto se voltaria contra ele e em nosso proveito.

De resto, é natural que a organização assuma as formas que as circunstâncias aconselham e impõem. O importante não é tanto a organização formal, mas o espírito de organização. Podem acontecer casos, durante o furor da reação, em que seja útil suspender toda correspondência, cessar todas as reuniões: será sempre um mal, mas se a vontade de estar organizado subsiste, se o espírito de associação permanece vivo, se o período precedente de atividade coordenada multiplicou as relações pessoais, produziu sólidas amizades e criou um real acordo de idéias de conduta entre os camaradas, então o trabalho dos indivíduos, mesmo isolados, participará do objetivo comum. E encontrar-se-á rapidamente o meio de nos reunirmos de novo e repararmos os danos sofridos.

Somos como um exército em guerra e podemos, segundo o terreno e as medidas tomadas pelo inimigo, combater em massa ou em ordem dispersa: o essencial é que nos consideremos sempre membros do mesmo exército, que obedeçamos todos às mesmas idéias diretrizes e que estejamos sempre prontos a nos reunirmos em colunas compactas quando for necessário e quando se puder fazer algo.

Tudo o que dissemos se dirige aos camaradas que são de fato adversários do princípio da organização. Àqueles que combatem a organização, somente porque não querem nela entrar, ou não são aceitos, ou não simpatizam com os indivíduos que dela fazem parte, dizemos: façam com aqueles que estão de acordo com vocês outra organização. É verdade, gostaríamos de poder estar, todos nós, de acordo, e reunir em um único feixe poderoso todas as forças do anarquismo. Mas não acreditamos na solidez das organizações feitas à força de concessões e de restrições, onde não há entre os membros simpatia e concordância real. É melhor estarmos desunidos que mal unidos. Mas gostaríamos que cada um se unisse com seus amigos e que não houvesse forças isoladas, forças perdidas.

 * Traduzido por Plínio A. Coêlho

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A ANARQUIA



O anarquismo não é uma doutrina inventada na idade moderna por Proudhom , Bakunin e outros , mas é um conjunto de idéias libertárias que se desenvolveu desde que o homem comum foi submetido a outro homem que por algum disturbio se achou superior e apto a subordiná-lo .
Na China Antiga , Lao-Tsé faz uma crítica a Confúcio , estadista chines , pela imposição dos "bons costumes", pois para Lao-Tsé o povo deveria ser livre para achá-los , e normas coercitivas não eram a melhor forma para fazê-lo . 
Os gregos chegaram a exercer uma democracia direta , mas que pecava no conceito de cidadania que excluia da vida política os estrangeiros ( de direito sanguineo e do solo ) , mulheres , além de aceitar a escravatura .A Filosofia grega é grande fonte do pensamento Anarquista , por exemplo , Heráclito de Éfeso e a fluência incessante das coisas -" Não podes entrar duas vezes no mesmo rio" . Mas note que Heráclito não era libertário , e sim um pré-socrático muito confuso e mítico : "Lei é também persua-dir-se a vontade de um só" .Já Epicuro concebia que todos homens eram iguais entre si e Zeno , o estóico, concebeu a rejeição ao Estado. 
Principais Idéias Anarquistas

Anarquismo é geralmente identificado como caos ou "bagunça", por ser uma doutrina política que defende a abolição de qualquer tipo de governo formal; mas, na verdade não é bem isso. Etimologicamente esta palavra é formada pelo sufixo de archon, que em grego significa governante, e an, que significa sem. Ou seja, anarquismo significa ao pé da letra "semgovernante". A principal idéia que rege o anarquismo é de que o governo é totalmente desnecessário, violento e nocivo, tendo em vista que se toda a população pode, voluntariamente, se organizar e sobreviver em paz e harmonia. 
A proposta dos anarquistas é contraditória ao sistema capitalista mas, não deve ser confundida com o individualismo pois, como já foi dito, está fundamentada na cooperação e aceitação da realidade por parte da comunidade. De acordo com os principais pensadores anarquistas, o homem é um ser que por natureza é capaz de viver em paz com seus semelhantes mas órgãos governamentais acabam inibindo esta tendência humana de cooperar com o resto da sociedade. 
Com isso, podemos perceber que uma sociedade anarquista não é algo totalmente descontrolado como todos pensam, muito pelo contrário, esta é uma sociedade bem estruturada e organizada, só que esta organização está baseada neste instinto natural do homem. Ou seja, ela depende da autodisciplina e cooperação voluntária, e não uma decisão hierárquica. 
A sociedade cria uma construção artificial, na qual a ordem é imposta de cima para baixo, como em uma pirâmide. Já no anarquismo a sociedade não seria uma estrutura e sim um organismo vivo que cresce em função da natureza. 
Por isso, os anarquistas abominam a formação de qualquer partido político pois estes acabam com a espontaneidade de ação, burocratizando-se e exercendo alguma forma de poder sobre o resto da população. Eles também temem as estruturas teóricas na medida em que estas podem se tornar autoritárias ou "sentenciosas". 
Daí o anarquismo ser conhecido como algo vivo, e não uma simples doutrina, a ausência de poder e controle na mão de alguns torna o movimento anarquista algo frágil e flexível. A crítica ao poder do Estado leva à tentativa de inverter a pirâmide hierárquica de poder, o que formaria um sociedade descentralizada que procura estabelecer um relação de forma mais direta possível. A responsabilidade começa nos núcleos vitais de civilização, onde também são tomadas as decisões, local de trabalho, bairros, etc.. Quando estas decisões não são possíveis de ser tomadas, formam-se federações. O importante, porém, é manter a participação e aprovação de todas as pessoas envolvidas.
Os anarquistas criticam a forma de governar do parlamentarismo pois a representação corre o risco de entregar o poder à um homem inescrupuloso e hábil, que use as paixões do povo, para sua auto promoção. Quando as decisões abrangem áreas mais amplas são convocadas assembléias, com intuito de nomear delegados que estão sujeitos à revogação de seus cargos. 
Apesar de o anarquismo ser diferente na Europa e Brasil, ele tinha uma mensagem comum nos dois: a liberdade e a igualdade só serão conquistadas com o fim do capitalismo e do Estado que o defende. O anarquismo considerava, assim como o socialismo, que a propriedade privada era o principal problema da sociedade, argumentando que os "recursos naturais da terra" pertencem à todos, ou seja, sua apropriação para uso pessoal é roubo. O sistema capitalista causou o empobrecimento e exploração de muitos para a riqueza e avareza de poucos. Os fortes obrigaram os fracos à servir e em uma luta incessante pela riqueza as diversas nações entraram em guerra. Assim, claramente, podemos perceber que o capitalismo foi criado para atender à necessidade de uma classe dominadora e exploradora e não ao resto da sociedade. 
A socialização da propriedade, unicamente, não pode mudar nada, pois acabar com a propriedade privada sem acabar com o governo burocrático só faria com que se criasse uma classe privilegiada em sua própria preservação. Todas as formas de governo acabam usando de determinada doutrina para "roubar" a liberdade do homem e satisfazer a "casta governante". Todas, usam da repressão policial ou militar para impor a sua vontade diante do povo, e, as leis, de um modo geral, são decretadas pelos poderosos para legitimar sua tirania. Na sociedade capitalista quando os pobres protestam contra os ricos, a polícia e o exército entram em ação; mais tarde estes pobres reprimidos têm de pagar as despesas destes dois órgãos e ainda do judiciário, que servem para dominar os trabalhadores. 
Os anarquistas insistem que os meios de propaganda e educação recebem o apoio e o controle do Estado, para perpetuar os objetivos deste. A religião, é uma importantíssima ferramenta para os burgueses pois pacífica o trabalhador, levando- o a aceitar a miséria sem protestos, induzindo-o a desistir de sua liberdade e aceitar a dominação dos que "roubam" o fruto de seu trabalho. As escolas são usadas para ensinar aos homens a obediência às instituições já formadas; homens são treinados para adorar o seu país, dispondo- se sempre a dar sua vida pelos interesses de sus exploradores. 
Então, somente eliminando o Estado e a propriedade privada é que o homem será totalmente livre, de suas carências, dominação, para desenvolver seu potencial ao máximo. Em uma sociedade anarquista as leis e a violência serão desnecessárias pois os homens livres serão capazes de cooperar para o bem da humanidade. Nessa sociedade, a produção seria feita de acordo com as necessidades da população e não para o enriquecimento de alguns poucos; com o fim das propriedades privadas não haveriam mais assaltos, ninguém iria cobiçar o que é dos outros (pois nada seria dos outros); acabaria a exploração das mulheres, cada um poderia amar à quem quisesse, independentemente de sua classe social e grau de riqueza, sem ser necessário o casamento; não existiria mais a violência e nem as guerras, ninguém mais lutaria por riquezas e não existiria mais o nacionalismo, racismo, carência e competição. 
Se há anarquistas que praticam atentados políticos, não é em função desta sua posição, mas sim uma resposta aos abusos, perseguições e à opressão sofrida por eles. Não são, portanto, atos anarquistas e sim de revolta inevitável por parte dos explorados contra a violência dos altos escalões.
Movimentos Anarquistas

Esta doutrina utópica se organizou primeiro na Rússia, durante a segunda metade do século XIX. No final desse século, o anarquismo na França, Itália, Espanha e Estados Unidos, associou-se ao sindicalismo formando o anarco-sindicalismo. 
Mas, os movimentos sociais dos democratas e comunistas, partidários das idéias Marxistas, derrotaram a proposta revolucionária anarquista internacional. Somente na Espanha ele continuou com uma grande força mas foi destruído em 1936, na guerra civil. 
O mais brilhante dos anarquistas foi indiscutivelmente Bakunin, um filho de ricos aristocratas russos. Tornou-se revolucionário apartir das influências de Proudhon; participou das rebeliões parisienses e praguenses, em 1848 e 1849 respectivamente. Ele foi preso por vários anos e exilado na Sibéria. Quando retornou, em 1870, entrou nas revoltas de Lyon e Bolonha. Fez muitas críticas à Marx, tendo sido expulso da Primeira Internacional em 1872; com vários de seus companheiros ele fundou a Internacional Saint-Imier. 
Além de Bakunin, Proudhon (seu mestre) e Kropotrin, o anarquismo conta com artistas, jornalistas e intelectuais em geral: como Oscar Wilde, George Orwell, Picasso, Emma Goldman, Malatesta e George Woodcock.
Em 1879, após a morte de Bakunin, que era chamado de gênio da destruição, a propaganda anarquista feita por Kropotkine, Reclus, Malatesta e outros, atravessou um novo período de efervescência revolucionaria, pelo menos na parte ativa pensante do proletariado francês. 
O anarquismo, apesar da lei repressiva de 1872, que fez muitas vítimas, alastrava-se de uma maneira espantosa, através da palavra, imprensa e do fato, adquirindo o partido revolucionário, vastas proporções, como ficou visto no conselho de Marselha, onde os operários franceses, em um número enorme, se declaravam pelo anarquismo. Em Lyon, como em outros grandes centros industriais, as idéias libertárias desenvolveram-se largamente, tendo sido, no pequeno período de três meses, publicados 16 periódicos revolucionários e um grande número de folhas soltas. 
Essas propagandas, não poderiam deixar de produzir os seus frutos. Em agosto de 1872 Montecaules- Mines, era um teatro de grandes tumultos revolucionários e a igreja de Bois-du-Verne foi incendiada por meio de dinamites. Em 21 de outubro, uma poderosa bomba explodia no teatro de Bollecour, sendo Civoet, apontado erradamente como autor desse atentado. 
O governo assistia amedrontado o processo rápido das idéias libertárias, assim procurando um pretexto para "sufocar" o movimento que estava tendo os seus triunfos. Em 1883, 66 indivíduos, entre os quais se achava Pedro Kropotkine, preso em Thonon, eram levados ao tribunal de Lyon, acusados de pertencerem a uma organização internacional de "malfeitores". O juri era composto por burgueses covardes e infames, sendo dos 66 acusados 47 condenados a vários anos de prisão, outros expulsos, etc. Este processos foi um dos mais importantes episódio da história revolucionária. 
Em fins do século XIX o movimento sindical fortaleceu intensamente o anarquismo, resultando no movimento chamado anarco-sindicalismo, que enfatizava que os sindicatos deveriam não só brigar por salários mas também se tornar agentes de mudanças sociais. Foi na Espanha que este movimento se tornou mais expressivo, até quando não pôde mais resistir às investidas do exército do ditador Franco. Na Itália e Alemanha, o anarquismo foi instinto pelos movimentos fascista e nazista. 
O anarquismo ressurgiu depois da Segunda Guerra Mundial e se reativou na década de 60 com o ativismo de jovens europeus e americanos, o que resultou no movimento estudantil de 1968, em Paris.
Dez Princípios Anarquistas

1º Autonomia 
Está é a condição indispensável para obter-se a liberdade individual e coletiva. Significa respeito às decisões, vontades e opiniões. 

2º Apoio Mútuo 
É a ajuda entre seres de uma organização social onde as partes interagem, auxiliando-se e fortalecendo-se. Tal pratica não permite disputas que são fundamentais no princípio irracional na superioridade dos seres. É somar forças para alcançar uma melhor qualidade de vida para todos. 

3º Auto Gestão 
É um princípio à comunidade cuidando diretamente de seus próprios deveres e interesses. Deve haver uma liberdade de leis mas com organização. 

4º Internacionalismo 
As fronteiras e nacionalidades só causam guerras. O nacionalismo é um sentimento egoísta e acirra a raiva entre os povos. Defendemos a auto determinação entre os países. 

5º Antimilitarismo 
Os homens que têm maior poder militar rirão. Eles são imperialistas e têm o complexo de hierarquia de poder. Qualquer tipo de imperialismo é inválido. Todos são iguais. Ninguém é melhor que ninguém. 

6º Ação Direta 
Você decide diretamente tudo o que lhe diz respeito. As pessoas são diferentes com costumes diferentes, mas todas tem os mesmos direitos. Quando os movimentos sociais passam a agir e não somente a reagir ao sistema, pacífica ou violentamente, se faz chamar ação direta. 

7º Auto Defesa 
O individuo tem o direito de se defender de qualquer agressão para garantir sua sobrevivência. A liberdade não é negociada, mas sim conquistada. 

8º Viver a Vida 
É necessário encarar a vida por mais cruel que ela seja. Não se muda o mundo de uma hora para outra. Continue vivendo, aproveitando e principalmente lutando por um mundo melhor. 

9º Individualismo 
O sujeito individual é único e não sente necessidade de ajuda. Porém, se necessário, tem o dever de ajudar os outros. 

10º Apartilhadismo 
É preciso ter divisão de bens iguais a todos e não existir propriedade privada. 

http://www.manarquistacomunista.hpg.ig.com.br/governo_e_politica/93/index_int_4.html
Acesso em 15/02/2011