O ANARQUISTA

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Todos Contra Nós, Nós Contra Todos!

          

  Nunca como agora se nos deparou a ocasião para demonstrar que no Brasil há anarquistas dispostos a agir com energia e atividade, provando que não nos amedrontam ameaças dos poderosos nem as baixezas vis dos pretendidos amigos que em tempo de paz não hesitariam em aliar-se a nós, se nós aceitássemos conúbios e alianças duvidosas.
            Chegou o momento de sacudir a apatia, de abandonar a indiferença para espalhar as nossas idéias, intensificando o mais possível a nossa propaganda ao mesmo tempo em que nos defendemos dos ataques que de todos os lados partem contra nós.
            A imprensa faz circular a nosso respeito às calúnias mais infamantes e velhacas e incita o governo a agir contra nós enérgica e imediatamente.
            O deputado Alcindo Guanabara, republicano avançado com misturas socialistas, lançou desde as alturas do Parlamento o seu terrível anátema contra nós, dano provas da mais insidiosa má-fé ou de ignorância sobre tudo quanto se refere à Anarquia e aos anarquistas.
            A imprensa pseudo-socialista aproveita a ocasião para nos combater apontando-nos como perigosos e subversivos, instigadores da revolta e pregadores da Revolução Social.
            Todos apontam sobre nós o índex terrível e acusador; os católicos reacionários de uma maneira brutal, descarada, franca e velhaca; os liberais e democratas de um modo hipócrita, canalhesco e repugnante, desvirtuando as nossas idéias, atribuindo-nos procedimentos falsos e indignos. Todos estão de acordo em que o perigo existe e esse perigo são os anarquistas, só os anarquistas.
            Assim vemos o deputado Guanabara, e com ele o Avante, indicando ao governo que a única via de salvação está em fazer uma legislação operária, concedendo reformas para afastar o proletariado das correntes revolucionárias e anarquistas porque enveredou. Isto é, aconselha-se ao governo que procure habilmente enganar mais uma vez os operários fazendo-lhes entrever um horizonte de bem-estar e de liberdade que jamais gozarão porque impossível no estado atual de coisas, procurando assim obstaculizar a marcha da revolução, colocando-lhe na frente travas e engodos, com o que pensam que conseguirão retardar mais algum tempo a derrocada do seu domínio.
            Mas qual a razão desse ódio feroz, dessa guerra de morte contra nós declarada, aberta e brutalmente por uns, insidiosa e hipocritamente por outros?
            Qual a razão?... É muito simples.
            Alcindo Guanabara bem o disse no Parlamento.
            Para nós a obra legislativa dos governos não merece aplausos; ao contrário, exercemos sobre ela a mais acerba crítica. Estamos fartos de panacéias inúteis e inconcludentes. Não queremos mais sofrer as mistificações dos panegiristas da Justiça, da Razão e do Direito, estampados nos papéis da Constituição e sancionados por uma assembléia qualquer.
            Pregamos a não obediência às leis, o desrespeito à propriedade açambarcada e à moral dos hipócritas.
            Procuramos inculcar nos operários o amor pelo estudo a fim de se tornarem homens aptos para se emancipar a si próprios, prescindindo de chefes e guias que até agora os conduziram à ruína e aos mais horríveis precipícios.
            Gritamos constantemente ao trabalhador: Ergue-te, encara de frente e com valentia os teus tiranos, sê homem; conquista o teu bem-estar, mostra com os fatos e não com palavras que a ele tens direito!
            Eis porque todos, desde o católico ao pseudo-socialista, nos apontam com o dedo e descarregam toda a sua bílis, toda a sua cólera cega de sectários contra nós, os anarquistas.
            Pois bem, venham sobre nós todas as culpas, surjam à nossa frente os vilões, os hipócritas e os segregados.
            Não recuaremos um passo. Se todos são contra nós, teremos vontade e energia para enfrentá-los a todos.
            Anarquistas, a postos!
            -Manuel Moscoso

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Jogue intensamente! Nossas vidas estão em jogo! A Prática Anarquista como um Jogo de Subversão por Wolfi Landstreicher


Quando pela primeira vez entrei em contato com as idéias anarquistas nos finais dos anos 70 e pelo começo da década de 80, era um tanto comum falar sobre jogar e o jogo subversivo, graças à influência da Internacional Situacionista e dos melhores aspectos da contracultura. Há muito para ser desenvolvido, nestes termos, do pensamento à prática. Particularmente, penso que olhar a prática anarquista revolucionária como um jogo subversivo é um modo frutífero de entendimento dos objetivos, princípios e metodologia anarquista como uma base para desenvolver nossas estratégias e práticas.
 
O que tem distinguido o anarquismo de outros conceitos de transformação radical é que os anarquistas geralmente têm considerado suas idéias algo para ser vivido aqui e agora o tanto quanto for possível, bem como que os seus objetivos sejam realizados em uma escala global. Enquanto certamente devem existir anarquistas que escolheram transformar suas perspectivas em mera política, a idéia de viver a anarquia imediatamente dá ao anarquismo um alcance que vai muito além dessas visões limitadas, abrindo-o para a totalidade da vida.

Esse aspecto do anarquismo é o que faz a prática anarquista parecer um jogo. Deixe-me explicar. Um jogo pode ser descrito como uma tentativa de conseguir um objetivo especifico usando somente aqueles meios que se adequaram a certas condições aceitas por aqueles envolvidos pelo prazer que encontram em seguir tais condições, mesmo que elas diminuam a eficiência.
O objetivo da prática anarquista seria conseguir um mundo livre de todas as dominações, sem estado, economia ou as várias instituições através das quais nossa atual existência é definida. Eu não posso afirmar saber qual é o modo mais eficiente para conseguir isto. A partir de um ponto de vista anarquista, ainda não houve uma revolução bem sucedida, então não temos modelos de eficiência. Mas, para aqueles que desejam este fim, não por causa de um senso de obrigação moral, mas sim como uma reflexão em uma grande escala do que querem imediatamente, para suas próprias vidas, pequenos cálculos de eficiência para conseguir estes fins são raramente uma prioridade. Eu sei que eu prefiro tentar conseguir este fim de modo que me dê o prazer imediato de tomar de volta minha vida aqui e agora em oposição a ordem social que anseio em destruir.

Aqui é onde os "princípios" anarquistas - as "regras" do jogo - entram. A recusa em escolher mestres, promover leis, negociar com o inimigo, etc. são baseados no desejo de fazer com que nossas vidas sejam de nós mesmos, aqui e agora, jogar este jogo num modo que nos dá alegria imediata. Portanto escolhemos estas "regras" não por causa de um senso de obrigação moral, nem porque são os modos mais eficientes de conseguir nossos objetivos, mas, preferivelmente, pelo prazer que temos em viver nessas condições.

Nesta perspectiva, nós também podemos entender o porquê, na área da concessão, é imposta a nós de modo forçado - o reino da sobrevivência num mundo baseado em relações econômicas, o qual sempre é o oposto à totalidade da vida - nós iremos escolher qualquer método necessário para nos manter vivos. (De qual outra forma poderíamos jogar este jogo?) Mas iremos fazer o que a necessidade nos impõe nesta situação (trabalho, roubo, fraude, etc.) como medidas temporárias para sustentar nossas capacidades de tomar de volta nossas vidas e lutar pelo mundo que desejamos, mantendo nossa rebeldia frente a estas imposições. Isto, de fato, é um aspecto do jogo subversivo na prática, contornando as imposições deste mundo contra ele. Aqui, sinto que seria bom desenhar uma distinção entre o fora-da-lei (criminoso) e o anarquista que esta jogando o jogo da subversão. Obviamente, todo anarquista, 
em algum grau, é um criminoso, desde que rejeitamos a idéia de que nossas atividades poderiam ser determinadas dentro da lei. Mas, a maioria dos criminosos não estão jogando o jogo da subversão. Ao invés disso eles estão, centrados no muito mais  imediato jogo de passar a perna nas forças da ordem sem procurar destruí-las.
Para o anarquista revolucionário criminoso, este jogo imediato é simplesmente uma pequena parte de um jogo muito maior. Ele está fazendo um empreendimento muito maior do que o do "crime" imediato. Ele está agarrando sua vida no lugar de usar o crime para agarrar o mundo.

Portanto, este jogo combina o objetivo de destruir a ordem dominante para que possamos construir um mundo livre de toda dominação com o desejo de termos nossas vidas aqui e agora, criando isto o tanto quanto for possível em nossas próprias condições. Isto aponta para uma metodologia da prática, uma série de recursos que refletem o nosso desejo imediato de viver nossas vidas de nossa própria maneira. Esta metodologia pode ser resumida como se segue:

1- Ação direta- Atuar por nós mesmos por aquilo que nós desejamos no lugar de delegar o agir para um representante.
2- Autonomia - Recusar em delegar a tomada de decisões a qualquer corpo organizacional; organizações serviriam apenas como coordenação de atividades em projetos e conflitos específicos.
3- Conflito permanente - Batalha continua pelos nossos objetivos, sem nenhuma concessão.
4- Ataque - A não mediação, pacificação ou sacrifício; a não limitação de nós mesmos a uma mera defesa ou resistência, e sim almejar a destruição do inimigo.
Esta metodologia reflete o objetivo ultimo e o desejo imediato da prática anarquista revolucionária.

Porém, se estamos considerando esta prática como um jogo, é necessário entender que tipo de jogo é este. Nós não estamos lidando com um jogo no qual dois ou mais oponentes estão competindo entre si num esforço de conseguir o mesmo objetivo. Em tal jogo, existe lugar para a negociação e concessão. Ao contrario disto, o jogo subversivo é um conflito entre dois objetivos absolutamente opostos, o objetivo de dominar tudo e o objetivo de colocar um fim a dominação. No final das contas, a única maneira que este jogo poderia ser ganho é através de um lado destruir completamente o outro. Portanto, não há lugar para concessões ou negociações , especialmente não para os anarquistas que estão claramente em posição de fraqueza onde a "concessão" poderia ser , de fato, deixar esmagar.

Os objetivos, princípios, metodologia e o entendimento da natureza da batalha juntos, descreve o jogo anarquista revolucionário. Assim, como qualquer jogo, é a partir de suas bases que vamos desenvolver táticas e estratégias. Sem essas bases, falar de estratégias e táticas é apenas falar. Enquanto táticas é algo sobre o que conversamos em contextos onde se deve decidir quais movimentos se deve fazer em pontos específicos, é possível falar de estratégia de um modo mais generalizado. Estratégia é a questão de como conseguir um objetivo.

Isto requer uma compreensão de vários fatores. Primeiramente qual é o contexto no qual se está tentando conseguir estas metas? Que relação os objetivos têm com o contexto? Quais meios estão disponíveis para conseguir estes objetivos? Quem poderia agir como cúmplice neste esforço?
Estas questões assumem uma interessante mudança para os anarquistas, porque nosso objetivo (a erradicação de todas as dominações) não é algo que queremos para um futuro distante. Sem ser bons cristãos, não estamos interessados em nos sacrificar para as futuras gerações. Mais propriamente, nós queremos experimentar este objetivo imediatamente em nossas vidas e em nossas batalhas contra a ordem dominante. Portanto, precisamos examinar estas questões nas condições desses duplos aspectos de nossas metas.

A questão do contexto envolve a analise do amplo contexto global, a natureza das instituições dominantes, as amplas tendências que são desenvolvidas e os potenciais pontos de fraqueza e áreas de rupturas da ordem dominante. Isto também envolve examinar o contexto imediato de nossas vidas, nossas relações e encontros voluntários e involuntários, o terreno que no momento estamos atravessando, nossos projetos imediatos e por ai vai.

O relacionamento entre o que estamos empenhados e o contexto geral desta ordem social é parte do conflito Total. Porque nós estamos empenhados não apenas na destruição da dominação, mas também estamos empenhados em viver imediatamente contra a dominação, nós somos inimigos desta ordem.

Já que parte de nossos objetivos é ter o controle der volta de nossas vidas aqui e agora, nossos meios precisam incorporar isto. Em outras palavras, qualquer meio que envolve renunciar o controle de nossas é prontamente uma derrota. Mas isto é onde se torna necessário distinguir quais atividades constituem uma renúncia (votar, demandas, petições, negociar com o inimigo) e aquilo que poder ser incorporado na reapropriação da vida e atacar contra as instituições de dominação (como por exemplo trabalho temporário, certos tipos de golpes, etc. que dão acesso a certos recursos, informações e habilidades que são úteis numa prática subversiva).

Nosso cúmplice pode ser qualquer pessoa, indiferente se esta pessoa tem uma consciência anarquista critica ou não,  que use meios que correspondem aos nossos em suas batalhas especificas contra o que o domina e oprime - meios através dos quais estão ativamente controlando suas vidas e lutas como suas prontamente. E nossa cumplicidade duraria enquanto eles utilizassem tais meios, e terminaria no momento que eles abrissem mão de sua autonomia ou começassem a negociar com os dominantes. Tendo estabelecido estas bases, aqui estão algumas áreas para discussão de estratégias:

Sobrevivência vs. a totalidade da vida - estratégias para aniquilar continuamente o domínio da sobrevivência sobre nossas vidas, para fazer nossos projetos e desejos determinarem como nós lidamos com a sobrevivência o máximo possível - por exemplo: quando alguém precisa de um emprego, usar isto contra a instituição do Trabalho e Economia através da expropriação, desviar e doar coisas, sabotar, usando isto como uma escola livre para captar técnicas para seu projeto, sempre vendo isto como um meio temporário para os seus objetivos e estando preparado para sair assim que desejar.

Solidariedade - Existem dois aspectos distintos sobre isto. 1- Existem muitas explosões de conflito social que refletem parcialmente o desejo de retomar a vida de volta e destruir a dominação, e que usa uma metodologia como a que foi descrita acima, mas sem uma critica total consciente da parte dos participantes. Como podemos conectar nossa consciência e o conflito continuo com a ordem dominante com  estas explosões de conflito numa maneira que combine com nossos objetivos, "princípios" e metodologia, já que o evangelismo e a "liderança moral" batem de frente com estes "princípios" nos tornando em fantoches de uma causa que estamos defendendo?  Precisamos pensar em termos de cumplicidade e honestidade. 2- Há também os momentos quando o inimigo apanha algum companheiro e cúmplice e o aprisiona. Existe um habito, nesta situação, de cair em uma estrutura de suporte/trabalho social/caridade. Em termos de nossos objetivos e desejos, eu penso que isto é um grande erro. Sem negar a necessidade em construir fundos de segurança e manter comunicação aberta, a nossa questão primordial é como tornar esta situação em uma maneira de atacar a ordem dominante. As atividades anti-prisão do grupo francês Os Cangaceiros¹ nos oferecem alguns nutrientes para pensarmos nisso.

Rupturas diárias, em pequena escala - Existem eventos que acontecem diariamente numa pequena escala que causam rupturas temporárias na rotina social. Como podemos então usar esta subversidade contra esta ordem, expor a realidade desta sociedade e abrir outras possibilidades? Como podemos criar tais rupturas numa maneira que destrua a submissão e a aceitação da normalidade?

Rupturas de larga escala - Desastres, revoltas, levantes locais e regionais todos causam rupturas que podem revelar um grande evento na ordem dominante e que move as pessoas para a auto-atividade, generosidade e uma rejeição temporária da ordem moral desta sociedade. Como podemos aproveitar tais situações de maneira conveniente? O que podemos fazer para ajudar a estender a compreensão e a rejeição da ordem moral para além do momento? Como podemos expor os vários políticos e burocratas da ruptura - partidos políticos, lideranças sindicais, militantes e ativistas - sem passar por cima como mais um desse meio parasita? 

Portanto, há um jogo vasto e desafiante diante de nós, o qual eu acredito que poderia transformar nossas vidas em algo maravilhoso. É um jogo que nós devemos jogar intensamente, pois neste jogo nossas vidas estão em jogo. Não há garantias nem métodos certos para ganhar. Mas para cada um de nós, como individuo existe um modo infalível de perder. Que é de fato ceder, se submeter ao que esta ordem dominante impõem. Quem está pronto para jogar?

 Publicado na Green Anarchy #23

Notas: 1- Os Cangaceiros foram um grupo de revolucionários franceses que emergiram das revoltas dos estudantes, trabalhadores e das ocupações em maio de 1968 na França. Reivindicavam o "fim  da política". Não tinham estrutura formal, era um  coletivo formado por desejos individuais. Viviam de forma nômade criando vários squats e usavam o "crime contra o  capital". Como suas ações os levavam frequentemente à ilegalidade e muitas vezes a cadeia, compreenderam a importância dessas estruturas, com o tempo suas ações foram concentradas contra as prisões, usando sabotagem contra as prisões e contra as construções de futuras prisões, roubo de projetos de novas prisões e o incentivo de rebeliões e  destruição das prisões. (N.d.t.)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A ilusão do sufrágio universal - Mikhail Bakunin






Os homens acreditavam que o estabelecimento do sufrágio universal garantia a liberdade dos povos. Mas infelizmente esta era uma grande ilusão e a compreensão da ilusão, em muitos lugares, levou à queda e à desmoralização do partido radical. Os radicais não queriam enganar o povo, pelo menos assim asseguram as obras liberais, mas neste caso eles próprios foram enganados. Eles estavam firmemente convencidos quando prometeram ao povo a liberdade através do sufrágio universal. Inspirados por essa convicção, eles puderam sublevar as massas e derrubar os governos aristocráticos estabelecidos. Hoje depois de aprender com a experiência, e com a política do poder, os radicais perderam a fé em si mesmos e em seus princípios derrotados e corruptos. Mas tudo parecia tão natural e tão simples: uma vez que os poderes legislativo e executivo emanavam diretamente de uma eleição popular, não se tornariam a pura expressão da vontade popular e não produziriam a liberdade e o bem estar entre a população? Toda decepção com o sistema representativo está na ilusão de que um governo e uma legislação surgidos de uma eleição popular deve e pode representar a verdadeira vontade do povo. Instintiva e inevitavelmente, o povo espera duas coisas: a maior prosperidade possível combinada com a maior liberdade de movimento e de ação. Isto significa a melhor organização dos interesses econômicos populares, e a completa ausência de qualquer organização política ou de poder, já que toda organização política se destina à negação da liberdade. Estes são os desejos básicos do povo. Os instintos dos governantes, sejam legisladores ou executores das leis, são diametricamente opostos porestarem numa posição excepcional.

Por mais democráticos que sejam seus sentimentos e suas intenções, atingida uma certa elevação de posto, vêem a sociedade da mesma forma que um professor vê seus alunos, e entre o professor e os alunos não há igualdade. De um lado, há o sentimento de superioridade, inevitavelmente provocado pela posição de superioridade que decorre da superioridade do professor, exercite ele o poder legislativo ou executivo. Quem fala de poder político, fala de dominação. Quando existe dominação, uma grande parcela da sociedade é dominada e os que são dominados geralmente detestam os que dominam, enquanto estes não têm outra escolha, a não ser subjugar e oprimir aqueles que dominam. Esta é a eterna história do saber, desde que o poder surgiu no mundo. Isto é, o que também explica como e porque os democratas mais radicais, os rebeldes mais violentos se tornam os conservadores mais cautelosos assim que obtêm o poder. Tais retratações são geralmente consideradas atos de traição, mas isto é um erro. A causa principal é apenas a mudança de posição e, portanto, de perspectiva. Na suíça, assim como em outros lugares, a classe governante é completamente diferente e separada da massa dos governados. Aqui, apesar da constituição política ser igualitária, é a burguesia que governa, e é o povo, operários e camponeses, que obedecem suas leis. O povo não tem tempo livre ou educação necessária para se ocupar do governo. Já que a burguesia tem
ambos, ela tem de ato, se não por direito, privilégio exclusivo. Portanto, na Suíça, como em outros países a igualdade política é apenas uma ficção pueril, uma mentira. Separada como está do povo, por circunstâncias sociais e econômicas, como pode a burguesia expressar, nas leis e no governo, os sentimentos, as idéias, e
a vontade do povo? É possível, e a experiência diária prova isto. Na legislação e no governo, a burguesia é dirigida principalmente por seus próprios interesses e preconceitos, sem levar em conta os interesses do povo. É verdade que todos os nossos legisladores, assim como todos os membros dos governos cantonais são eleitos, direta ou indiretamente, pelo povo. É verdade que, em dia de eleição, mesmo a burguesia mais orgulhosa, se tiver ambição política, deve curvar-se diante de sua Majestade, a Soberania Popular. Mas, terminada a eleição, o povo volta ao trabalho, e a burguesia, a seus lucrativos negócios e às intrigas políticas. Não se encontram e não se reconhecem mais. Como se pode esperar que o povo, oprimido pelo trabalho e
ignorante da maioria dos problemas, supervisione as ações de seus representantes? Na realidade, o controle exercido pelos eleitores aos seus representantes eleitos é pura ficção, já que no sistema representativo, o
controle popular é apenas uma garantia da liberdade do povo, é evidente que tal liberdade não é mais do que ficção.